Os rumos de uma infância em Boyhood

Por Roberto Almeida (Garatujas Fantásticas)

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foto: cena de Boyhood, de Richard Linklater

Boyhood, escrito e dirigido por Richard Linklater, tem números poderosos. O filme foi rodado durante impressionantes 12 anos. A equipe reuniu-se uma vez por ano para gravar. O elenco, apesar de mais de uma década de gravações esparsas, permaneceu o mesmo. O ator principal, Ellar Coltrane (Mason), participou do filme dos 6 aos 18 anos. Como num passe de mágica, assistimos em tela ao seu crescimento.

Os traços de Ellar se acentuam, a postura se transforma, os cabelos mudam de cor, a barba cresce. Durante 2h40 de filme, Ellar interpreta Mason passando por puberdade, adolescência e chegando à fase adulta entre os solavancos de sua vida familiar. Filho de pais divorciados, papéis dos ótimos Patricia Arquette e Ethan Hawke, Mason mora com a mãe e navega pelos mares arredios de novos casamentos, novos irmãos, mudanças de cidade, de amigos e de trabalhos.

Apesar de toda a ambição do projeto, Boyhood transmite a sensação de ser bastante despretensioso. O roteiro não impõe choques e os caminhos são traçados com delicadeza. A crítica social é fluida e compassada, com tiradas espirituosas. Para usar uma comparação, sentar-se na poltrona do cinema é como estar em um navio que se arrasta lentamente pelo oceano de uma vida em construção.

A mágica da transformação física de Mason e dos demais atores, combinada com um roteiro excelente, conectado com a realidade norte-americana ano após ano, dá elementos para várias narrativas concorrentes.

A primeira, mais contextual, pode tratar das mudanças culturais dos Estados Unidos pós-11 de setembro, o governo Bush, a Guerra no Iraque, as dificuldades econômicas, a polarização política no Texas – estado-cenário do filme – até chegar a Obama e a revelação de suas práticas de espionagem.

A segunda, e talvez a mais complexa, está conectada com a personalidade de Mason, da mãe, do pai e dos demais personagens. O filme, apesar de se chamar Boyhood (Infância de um menino), tem uma forte linha crítica aos valores, discursos e ações de gerações anteriores no contexto norte-americano. Há pais reféns que, imersos em problemas pessoais, transformam a infância de seus filhos em um período de tensão e conflito.

Boyhood é um grande filme para quem está conectado com a infância, seja como pai, como professor, como amigo, como pesquisador ou como curioso. O retrato da infância particular de Mason, branco, norte-americano, texano, filho de pais separados, evita clichês e é bastante convincente. A atuação de Ellar, desde pequeno até os 18 anos, cria um personagem consistente, profundo e emocionante.

Em entrevistas recentes, o diretor Richard Linklater responde a perguntas que todo mundo se faz ao sair do cinema. Não falta curiosidade para um processo de gravações de 12 anos. Eis algumas coisas que ele disse.

– Ele sabia, há 12 anos, como seria a última cena do filme.
– A estrutura sempre esteve pronta.
– O processo de amadurecimento das crianças colaborou com a construção do filme.
– O tempo entre as filmagens ajudou e muito para que o filme fosse elaborado com extremo cuidado.
– O roteiro sempre se manteve aberto para mudanças, em um trabalho conjunto com os atores.

Após assistir ao filme, sozinho ou com adolescentes (no Reino Unido, a restrição é para jovens abaixo dos 15 anos; ainda não saiu a restrição no Brasil, mas não vejo por que ser a mesma), pode ser um exercício divertido trabalhar o seguinte: se o filme funciona como a memória do crescimento de um garoto, o diretor escolheu determinadas cenas para a construção do personagem. Mas quais cenas eles escolheriam para fazer um filme sobre suas próprias vidas?

Boyhood tem estreia prevista no Brasil para outubro. Ele é, sem dúvida, um dos melhores filmes do ano. Linklater levou o Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim e levou outros três prêmios, entre eles de melhor filme, em Seatlle.

Boyhood
(EUA, 166 min, 2014)
Direção: Richard Linklater
Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater, Elijah Smith.
Assista ao trailer (em inglês):

Garatújas Fantásticas

http://garatujasfantasticas.com/

Com foco em arte e literatura, o Garatujas Fantásticas é uma iniciativa do Estúdio Voador, uma ponte para que adultos e crianças experimentem o mundo juntos, troquem olhares e experiências.

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