Prix Jeunesse, refugiados e protagonismo infantil

Há menos de um ano, a foto de Aylan Kurdi, um menino de três anos morto na praia da Turquia, correu o mundo inteiro através da mídia. Com essa foto, nascia um ícone eficiente, de fato, para instalar o tema na agenda pública. Mas não chegou sem controvérsias: muitos debateram o direito da mídia de mostrar a cena de uma forma tão aberta. Questionavam o fato de se fazer um circo sobre a história de uma criança que não tinha agora (nem chegou a ter algum dia) voz e nem voto nessa problemática de adultos chamada “refugiados”.

O Prix Jeunesse de 2016 destacou este tema para justamente dar espaço e escuta a essas vozes que permanecem ignoradas entre as tantas lutas de poder e sobrevivência travadas no mundo. Como é a vida de crianças refugiadas hoje? O que pensam? O que sentem? O que esperam do futuro? Como eles encontram, no cotidiano, pequenos fragmentos de felicidade?
Dois exemplos nos permitem repensar o desafio midiático para dar alguma resposta de uma forma mais direta e justa, frente a um tema tão urgente e tão complicado. A sobrevivência e as diferenças culturais, a vida nos campos e abrigos ou mesmo em casas improvisadas e lares de famílias foram mostradas através de lentes sensíveis, e sempre do ponto de vista dos protagonistas.

“My life – The boy on the bicicle”. Inglaterra, Drummer TV, CBBC. Divulgação.

“The boy on the bycicle”, uma produção da Drummer TV Ltd. para a CBBC, dirigida a crianças de 7 a 12 anos, nos convida a dar uma volta de bicicleta por Zaatari, na Jordânia, um dos maiores campos de refugiados do mundo. Através do seu protagonista, um menino sírio de 16 anos, o documentário procura mostrar que, mesmo em uma situação de cativeiro, um adolescente pode encontrar motivos para entender a vida com otimismo.
“New”, um programa produzido por Witfilm para a emissora publica holandesa, NCRV, nos mostra o outro lado da moeda. Apresenta-nos Tanans, um menino de oito anos, nascido no Congo, que passou seus primeiros anos de vida em um campo de refugiados em Uganda. Sua vida volta a mudar quando ele é alojado com sua família, para viver na Holanda. O documentário está centrado nos primeiros contatos que ele tem com a sua nova realidade. Ele não sabe o idioma, seus costumes são outros e ele terá que abrir caminho e descobrir tudo o que é necessário para compreender o seu novo destino.
Os dois programas receberam o primeiro e o segundo lugar na premiação do Festival, respectivamente na mesma categoria não ficção, de 7 a 12 anos. Ambas as histórias comoveram. Ambas as crianças nos apaixonaram antes mesmo de aparecerem na tela. E ambas as histórias lançam perguntas para nós que queremos fazer televisão. Quão autêntico pode ser o testemunho desses protagonistas? Quanto há do próprio olhar desses meninos e quanto há do olhar e ideologia de seu diretor, por trás de cada programa? Seria o depoimento da criança selecionada (por sua empatia ou eloquência diante da câmera) representativo de toda essa problemática? Está claro, para a audiência dessa faixa etária qual é o tema central dessas crianças refugiadas? E, afinal, qual é o conflito que está posto em questão?
Essas crianças têm o direito de ter suas histórias escutadas, mas é realmente a TV o lugar adequado e onde elas devem exercer esse direito? Será que nós, produtores, estamos tendo sensibilidade ao expor essas crianças frente à mídia?

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New, Holanda, 2014, Eefje Blankevoort, Wit Film, NCRTV.


Indo além das maravilhosas qualidades técnicas de produção, as duas propostas nos fazem pensar em como e com que objetivo nós devemos contar e mostrar na televisão as crianças que estão diretamente envolvidas nesses dramas e como vamos envolver e impactar, através dessas histórias pessoais, as outras crianças que estão do outro lado da tela.

Aldana Duhalde

Formada em comunicação social, Aldana é jornalista, realizadora, docente e consultora independente de produções para crianças.

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