A trilha sonora no processo de storytelling da animação Tito e os Pássaros

A música de “Tito e os Pássaros” tem papel fundamental na construção da atmosfera da aventura infantil. A trilha sonora do filme é de Ruben Feffer e Gustavo Kurlat, que também foram responsáveis pela trilha de “O Menino e o Mundo”, a animação nacional dirigida por Alê Abreu que já concorreu ao Oscar de melhor filme de animação (2016).

Ruben Feffer, compositor da trilha original, conversou com o comKids sobre o processo criativo e sobre como a linguagem universal da música contribui para a narrativa de Tito, um filme sobre o medo e para crianças.

Tito e os pássaros, divulgação.

– Como a música ajuda a compor a atmosfera do medo em um filme voltado para crianças sem pesar na tensão e no clima sombrio? Essa foi uma preocupação?

Desde o início do projeto eu e o Gustavo sabíamos que teríamos essa missão de ajudar realmente a estabelecer esse clima mais pesado, e do difícil equilíbrio que teríamos que sempre tomar cuidado em manter, entre medo e coragem, desespero e aventura, tristeza e esperança. Inclusive, tínhamos uma informação peculiar, que os produtores haviam entrevistado crianças e descoberto que elas efetivamente queriam sentir essa emoção, esse medinho, que não queriam ser “poupados” por serem crianças, então, sempre em casos de dúvida, acabávamos ainda “pesando” a mão um pouquinho mais do lado dessa emoção, desse som mais “denso” e cinematográfico, mesmo indo na contramão do “senso comum” em relação a filmes “de criança”. Respondendo um pouco mais especificamente, elementos musicais tais quais instrumentação orquestral predominantemente de cordas, extremos de tessitura (sons extremamente graves ou extremamente agudos), pausas e ataques estrategicamente posicionados, acordes e progressões musicais dissonantes, algumas texturas de sintetizadores quase subliminares, tudo isso contribuiu nessa tarefa que a música tinha que cumprir.

– A música começou a ser composta ainda na fase de roteiro. Por quê? Isso aumentou o desafio de compor a animação?

Os produtores não queriam ficar trabalhando com trilha de referência, como é tão comum no nosso mercado, e nós também achamos isso melhor, já havíamos definido junto com eles quais seriam as referências musicais que utilizaríamos, sem ter que alocar cada uma para uma cena, criamos um tema inicial, antes mesmo de ver o filme, que acabou se desdobrando em vários subtemas e variações. Quando o filme foi montado, os editores já iam utilizando esses materiais que íamos criando, então o filme, mesmo na fase de animatic, já tinha uma identidade única. O grande desafio era o canto dos pombos, isso foi metamorfoseando através de várias tentativas à medida em que o filme ia ficando pronto, e o roteiro em si sofria mudanças. Isso ficou pronto já quase com o filme, mas sabíamos desde o início que esse seria o grande desafio desse projeto.

– E como isso fez diferença na obra?

Acho que a obra ficou com uma identidade toda sua, que é sentida do início ao fim. Acho que ao ouvirmos a trilha sonora, sem ver as imagens junto, conseguimos até imaginar o que está acontecendo nas cenas, de tão integrado que o resultado conseguiu ficar.

– Você também assina com Gustavo Kurlat a trilha sonora de “O Menino e o Mundo”, outro grande sucesso da animação brasileira e que também tem uma trilha sonora preponderante para a história. A trajetória bem-sucedida de “O Menino e o Mundo” e sua ampla distribuição internacional abriram portas nesse mercado?

Sim, principalmente no sentido de nos “apresentar” para produtores e diretores de animação (e de live-action também), do Brasil e do mundo. Antes precisávamos sempre ficar mostrando material, currículo, credenciais, etc, após “O Menino e o Mundo” as pessoas nem pedem mais. Claro que cada projeto é um projeto, e “Tito e os Pássaros” é praticamente um anti-Menino e Mundo, com sua trilha toda orquestral bem mais “convencional”, relativamente em contraste com uma trilha mais experimental e alternativa como a do “Menino e o Mundo”. Mas a forma que encaramos a nossa missão de contribuir com o “story telling”, e ajudar realmente a sintonizar e levar a plateia junto nas emoções da narrativa do diretor e criador do filme, a própria responsabilidade que sabemos que temos nesse sentido, é sempre a mesma.

– “Tito e os Pássaros” também já começa com distribuição internacional. Já foi vendido para exibição na China antes mesmo de estrear no Brasil. O processo criativo de composição da música para uma obra com alcance de público tão amplo é mais desafiador?

Acho que nesse tipo de projeto (que, assim como o “Menino e o Mundo”, nunca imaginávamos no início que atingiria tamanho potencial internacional) sempre usamos a música (assim como a própria animação) como uma linguagem universal, e nos conectamos mais profundamente a verdades e emoções que são independentes de nacionalidade (ou raça ou gênero ou credo….), a força de uma estória, da imaginação humana, da vontade de fazer o bem e ajudar quem está próximo, da coragem e da união. Isso tem que valer para tudo o que fazemos, e dessa forma sabemos que, onde passar, vai funcionar e falar direto ao coração de quem assiste.

Tito e os pássaros, divulgação.

Leia entrevista do diretor Gustavo Steinberg especial para o portal comKids.

Dia 25 de janeiro de 2019 (feriado e sexta), haverá uma sessão gratuita do filme, no Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2073, São Paulo). A sessão é às 11h. Ingressos devem ser retirados com 30 minutos de antecedência.

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