Arte para crianças desde o olhar arquitetônico

Por Carolina Masci. Artigo originalmente publicado em LatinLab.org

Cecilia Garavaglia e Mariano Vilela são os criadores e diretores do ETRA, um projeto de educação artística para meninas, meninos e adolescentes, que enfoca a arquitetura. Por que a arquitetura? Para fazer das crianças “usuárias formadas de seus entornos construídos”, como explica Mariano. E, uma vez que trabalhar a arquitetura permite às crianças mesclar diferentes técnicas, assim podemos atingir saberes, mudar experiências cotidianas e, a partir dessa mistura, produzir objetos artísticos que transformam olhares e ampliam mundos.

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Oficina de cubos. Divulgação.

De dentro do ETRA, Mariano e Cecilia realizam atividades que, segundo suas próprias palavras, “exercitam os sentidos, a percepção e o pensamento crítico e dedutivo, motivando as crianças a expressar as suas definições pessoais e estabelecendo interrogações que irão ser resolvidas explorando diferentes caminhos”.
Cecilia e Mariano criaram o ETRA em Buenos Aires, em 2013, e desde então oferecem oficinas em museus, centros culturais, galeria de arte e em sua própria sede portenha. Para lá vão crianças de seis anos adiante para experimentar com o espaço, volume, medidas cortes, proporções e outras chaves da arquitetura. E, a partir desse trabalho, surgem cidades do futuro, aldeias mágicas, cubos entrelaçados, megaestruturas feitas com palitos e todo tipo de construções que emocionam e inspiram a todos nós que as olhamos.

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Palafitas. Divulgação.

Vocês se lembram como foi que apareceu em vocês o interesse por trabalhar a educação artística para crianças?
Cecilia: Eu me interesso muito pela infância. Trabalhei muito tempo em arte e em cinema. Assim, com o ETRA, eu sinto que eu consigo juntar tudo isso.
Mariano: Para mim, isso me pareceu tão natural que nunca me pus a pensar sobre isso. Se, por um lado, estudei na Escola de Belas Artes e sou professor, por muito tempo me dediquei, sobretudo, a fazer obras e, por outro lado, acredito que sempre me relacionei com a arte como um âmbito muito propício para a aquisição de conhecimento, de busca de saberes. Sempre houve uma sedução da arte a nível pessoal que tinha a ver com o pedagógico. As vanguardas mais construtivas, como a Bauhaus, sempre me chamaram a atenção. E não era algo casual, elas são as que buscavam edificar uma nova ordem, e as que se ocuparam das instâncias pedagógicas.
E como foi que vocês pensaram na arquitetura para crianças e formaram o ETRA?
C – Como nos juntamos com Mariano foi um tanto de casualidade. Eu tive uma galeria de arte que se chamou Gara. Em 2001, eu a fechei e fui viver fora. Depois de algum tempo, comecei a trabalhar para as revistas do jornal Clarín. E em um dos trabalhos que eu estava fazendo, eu tive que entrevistar um artista. Então pensei em chamar o Mariano, que conhecia de Gara, para ver se ele queria que o entrevistasse. E quando nos juntamos para a entrevista, ele me comentou que tinha um projeto de educação artística para crianças, mas desde outra perspectiva. Eu lhe disse que isso me interessava. Ele tinha muita bibliografia que já vinha recompilando. E o Mariano foi viajar, quando regressou, em setembro de 2013, juntamo-nos e começamos a trabalhar. Falamos com a Marina de Caro, uma amiga e artista que trabalha no Museu de Arte Moderna, e lhe apresentamos o projeto de oficinas de arquitetura. Ela aceitou e estivemos durante dois anos com uma oficina anual no museu. No primeiro ano, demos a oficina de arquitetura e no segundo ano somamos uma atividade de ótica. Às 11 da manhã dos sábados as portas do museu se abriam e entravam todas as crianças correndo no espaço. E isso foi genial, porque as crianças se apossaram do lugar, sentiram-se em casa no museu.
M: Isso aconteceu porque o formato era original. A proposta era a de armar um programa de arte que funcionasse todo o ano com aulas complementares. As crianças vinham todos os sábados, como si fosse um clube. Foi muito legal, porque elas chegavam ao museu como se chegassem a um lugar delas, cotidiano e de diversão. E, para o ETRA, essa experiência nos serviu como uma usina criativa para que levássemos adiante nossos projetos e para que pudéssemos materializar aquilo que tínhamos pensado de alguma forma.

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Cidades do futuro. Divulgação.

Como é o enfoque da educação artística que vocês trabalham nas oficinas da ETRA?
M: Nosso olhar da educação arquitetônica e urbana não tem a postura infantil de pensar que, dali, sairão arquitetos, mas sim pensamos que estamos formando as crianças para que elas sejam, desde pequenas, usuárias formadas de seu entorno construído. O projeto do ETRA é de educação artística, mas a arquitetura permite explorar diferentes disciplinas de cada matéria. É possível tanto pintar algo quanto fazer maquetes, performances. Começamos as aulas com uma exposição a partir de um Powerpoint com uma série de imagens disparadoras. Em uma aula que falamos sobre os pisos, ou em uma aula que falamos sobre tetos, fundamentalmente queremos que as crianças tomem consciência do conhecimento que elas já têm.
C: No momento do Powerpoint, as crianças se matam para participar, para contar o que cada imagem faz com que elas pensem. Elas compartilham os saberes entre elas. Nós trabalhamos com grupos heterogêneos, em um grupo temos crianças de seis anos, de sete, de oito e até de nove anos. É muito lindo o momento em que cada um compartilha o que sabe e o outro o toma e o incorpora.
M: Quando pensávamos na arte contemporânea, nós nos dávamos conta de que não existe uma razão para que as crianças tenham que se relacionar em idade tão tenra com o cubismo. Porém, é possível haver uma dinâmica cubista em uma atividade, mas o roteiro deve ter algo a ver com uma experiência cotidiana. Eles contam as suas anedotas e nós vamos armando a aula com aquilo que conseguimos captar deles e de seus conhecimentos.

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Meninas e meninos construindo. Divulgação.

Como vocês pensam a relação entre as crianças e o espaço público?
C: O espaço público nessa cidade não está pensado para as crianças. Tudo é enorme para eles, nada está construído para o seu alcance e nem para o seu ponto de vista. Sair com as crianças das oficinas às ruas é complicado. O que nós tratamos de fazer com as atividades é acercá-los a todos esses conteúdos, de forma a separar essa distância.
M: Nós tratamos de ver o cotidiano e o ordinário de uma maneira extraordinária e fantástica. Buscamos fazer com que, em cada atividade, ainda que sejam fazeres cotidianos, conseguir chegar à sensação de que estamos fazendo algo pela primeira vez. Há uma grande tendência de trabalhar a escala urbana. Nosso programa está ancorado em um olhar mais antropológico do habitar. O programa começa com o questionamento a respeito do fato de se nós, humanos, somos os únicos que fabricam arquitetura. A resposta é um mês de atividades, nas quais exploramos as estratégias de diferentes animais, como constroem as suas casas. E como as arquiteturas humanas tomam muitas dessas estratégias. Em segundo lugar, trabalhamos um pouco o tema da história: cavernas, nomadismo, as tipologias que foram sendo criadas até chegar à escala cidade.

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Oficina de estruturas. Divulgação.

Contem-nos um pouco sobre as dinâmicas que vocês gostam mais de trabalhar com as crianças.
M: Há uma aula na qual trabalhamos a representação arquitetônica, a arquitetura desenhada. Contamos para as crianças que os arquitetos começam a casa desenhando. As ferramentas dos arquitetos, em seu princípio, são o lápis e o papel, não os tijolos. Também temos uma aula na qual trabalhamos o corte, que são os desenhos de arquitetura onde se divide a casa e nos quais é possível ver como ela é por dentro. Para oferecer essa aula, colocamos uma caixa de frutas e verduras diante das crianças e eles a desenham por dentro e por fora. Depois nós as cortamos e eles as desenham por dentro.
C: Outra coisa que trabalhamos é a forma como o arquiteto faz para entregar os seus planos a outros profissionais, de modo que seja compreensível tanto para o encanador como para o carpinteiro como para o construtor de tetos. Tudo tem um sistema que pode ser lido por quem quer que receba a planta. Então explicamos a eles os códigos, a fita métrica…
M: Outra aula que é muito boa se chama “Plantas”. Para desenhar a planta de uma casa desde a perspectiva de um pássaro, é preciso aprender a desenhar um copo desde um lugar mais alto. Um copo, visto dessa perspectiva, é um círculo. Uma geladeira é um quadradinho. Então, armamos um teste de memória e o que tem que coincidir é, por exemplo, o desenho de uma geladeira e seu desenho feito de cima. Assim vamos aprendendo como é a representação. E, em seguida, damos a planta de uma casa.
C: Também temos a oficina de estrutura, que é um exercício de construção que funciona muito bem. Começamos com um formato pequeno e pudemos aumenta-lo em Tecnópolis, onde ganhamos a possibilidade de trabalhar coisas maiores.
M: O que nós precisávamos era de um jogo de construção, um Lego. Mas tínhamos que inventar algo que pudéssemos fazer crescer exponencialmente, que fosse edificante e divertido, mas não podíamos pagar por 5000 peças de Lego. Assim, buscamos transformar objetos cotidianos em ferramentas pedagógicas. Pegamos palitos de dentes e cortamos cubinhos de espuma de alta densidade. E fizemos isso funcionar como vigas e conectores, de forma que eles iam se conectando infinitamente. E temos outro com palitos de churrasco, em uma escala maior.

Quais linhas de trabalho vocês gostariam de aprofundar no ano que vem?
C: O tema da capacitação para professores é algo que queremos desenvolver.
M: Este ano, nos convidaram a participar de um congresso pedagógico na Universidade de San Andrés e fizemos uma atividade com docentes de escola primária de toda a Argentina, contando-lhes um pouco sobre nosso trabalho e depois fizemos uma atividade. Nós gostaríamos de formalizar um pouco mais esse perfil.
C: Quando outras pessoas veem o que nós fazemos, eles nos dizem que esse é um dispositivo pedagógico muito bom para aplicar em sala, porque permite, justamente, que diferentes matérias dialoguem. Ele vincula muitos saberes e isso parece superinteressante para as professoras.
Recursos para seguir explorando a arquitetura para crianças:
Rede OCARA: Uma rede latino-americana de experiências e projetos sobre cidades, arquitetura e espaços públicos nos quais meninos e meninas participam.
AMAG: Revista de arquitetura para crianças.
Encuentros de Educación en Arquitectura para la Infancia y la Juventud: um espaço de debate de propostas que nasce dos Encontros Internacionais “Playgrounds”

Muito obrigada Cecilia e Mariano!

Para entrar em contato com a ETRA, é possível escrever a: [email protected]

Imagem do destaque: Palafitas. ETRA / divulgação.

Latin Lab

LATINLAB é um laboratório de investigação, criação e reflexão em torno da televisão infantil e das multiplataformas na América Latina.

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