O menino e o mundo

por Eduardo Valente

Fonte: Blog Cine ArteUFF

Não foi agora que o Menino ganhou o Mundo. Tendo estreado mundialmente durante o Festival do Rio de 2013, O Menino e o Mundo passou os últimos dois anos viajando. Nesse meio tempo, venceu os dois prêmios mais importantes do principal festival de animação do mundo, em Annecy, França, em junho de 2014, fez mais de 100 mil espectadores nos cinemas franceses quando lançado lá no mesmo ano, venceu cerca de 40 prêmios em diferentes festivais mundiais, foi lançado nos EUA no final de 2015 e… finalmente, foi indicado a um Oscar pouco mais de uma semana atrás. Agora, depois de tantas voltas, ele pode finalmente ser reapresentado ao espectador brasileiro, depois de um lançamento comercial (em janeiro de 2014, antes, portanto do Cine Arte UFF ser reinaugurado) onde foi praticamente sufocado pelos megalançamentos dos grandes estúdios americanos – os mesmos tipos de filme que, agora, conseguiu superar nas indicações ao Oscar. Filmes como O Bom Dinossauro ou Snoopy, que lideram as bilheterias de férias no Brasil enquanto o Arte UFF traz de volta o Menino.

Curiosamente, aquilo a que boa parte da repercussão internacional do filme se deve é também parte do que o tornou quase invisível em seu próprio país: sua qualidade quase artesanal, sua realização “em primeiríssima pessoa”, por assim dizer. Seu diretor, Alê Abreu, vinha de realizar seu primeiro longa, Garoto Cósmico (2007), um filme de animação que pode ser chamado de mais “convencional”, tanto nas técnicas de animação quanto na sua dramaturgia, que buscava uma relação mais direta com um espectador infantil. O Menino e o Mundo deixa de lado essa preocupação, nascendo muito menos de um roteiro do que de imagens que o seu diretor persegue com desenhos e muitas outras técnicas (em distintos momentos, o espectador vai ver desde colagens até imagens “reais”). Partindo da simplicidade mais completa no seu início um tanto idílico (desenhado com crayons), o filme vai ficando sofisticado visualmente na medida em que a jornada do seu protagonista o leva mais e mais adiante face a um mundo hostil e duro, que teria levado seu pai embora.

Ainda que tenha algo de essencialmente ingênuo na oposição entre os universos que pinta, literalmente, o que dá força e encanta no filme é justamente a sua liberdade de linguagem visual (e também sonora, pois é importante mencionar o trabalho minucioso da sua trilha – tanto de música como de ruídos e vozes dissonantes, que não chegam a configurar uma língua conhecida, emprestando ainda mais universalidade ao filme). Alê Abreu realiza o filme como um gesto de amor pela sua arte, e não é difícil entender que vem daí o encanto das plateias, inclusive as adultas, pela sua criação. Curiosamente esse mesmo filme que, justamente porque tão “caseiro” (adjetivo cuja conotação ruim para alguns é justamente um dos temas do filme) chegou ao prêmio máximo da indústria do audiovisual, talvez só chegue na sua casa natural de volta (e a possibilidade de retorno é outro tema do filme), o espectador do seu país, por causa dessa improvável inserção. O mundo, definitivamente, dá voltas.

Eduardo Valente

É ex-aluno do curso de cinema da UFF, tendo editado as revistas de cinema Contracampo e Cinética. Assíduo frequentador do Cine Arte UFF, escreve alguns textos de introdução à reflexão sobre alguns filmes de nossa programação por acreditar que a formação de plateia é das maiores missões que um cinema como esse pode cumprir.

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