Comunidades multiplayer, jogo e simulação

Por Carolina Di Palma

Quando nos aproximamos ao consumo cultural das crianças, somos levados a observar as associações de sentido que as novas gerações conferem a suas práticas. É surpreendente a quantidade de usuários entre 5 e 12 anos que possuem as comunidades multiplayer como Club Penguin (220 milhões), Moshi monsters (77 milhões), Poptropica (265 milhões), Neopets (77 milhões), Wizard (32 milhões) Pandfu (25 milhões), Mundo Gaturro (6 milhões), entre outras. À medida que nos aproximamos a esses consumos, descobrimos que, nos dias de hoje, as crianças estabelecem relações sociais também nos espaços virtuais. No marco das redes sociais conformam suas identidades e se encontram com seus outros pares. Deste modo, e a partir de identidades individuais ou coletivas criadas na rede através de avatares ou de apelidos (“nicknames”), constroem sentidos de pertencimento e elaboram um novo comum que lhes permite conhecer uns aos outros, interagir e criar cultura.

As comunidades multiplayer são espaços digitais de jogo interativo e estruturas narrativas multimeios onde os usuários participam criando comunidades de pares. Quando jogam, as crianças estão em seu tempo ocioso, imersos nas tramas propostas por esses novos meios e mantêm relações intersubjetivas não presenciais em “espaços genéricos”, em um “ali no ar” (Lash Scott).

As crianças experimentam, também nesses espaços, a atitude de estar no mundo com uma perspectiva particular, se transformando em atores do jogo. São afetados e afetam o entorno e a si através da intuição. O jogador não representa o personagem, na verdade, a criança atua como ele, só pensando como o personagem resolve o jogo. Ao contrário dos espectadores distanciados da televisão, ou leitores de contos, as crianças aqui habitam a ficção.

As recentes transformações tecnológicas que habilitam a interatividade são sem dúvida chave para compreender esses jogos. A leitura não linear, hipertextual, feita de modo simultâneo e as diferentes temporalidades (velocidade, aceleração, instante presente) e espacialidades (virtualidade, simulação) do digital configuram novos modos de ser e de se estar no mundo. Desta maneira, o hipertexto e a imagem nos trazem novas formas de dizer e de jogar.

A interatividade rompe com a linearidade e com a sequencia da comunicação. Habilita uma resposta em tempo real dos usuários dos novos meios que transforma radicalmente os paradigmas da comunicação massiva em que a instância de produção estava separada da recepção. Os novos meios introduzem novas formas de produzir sentido colaborativo. A ideia de indivíduo, sujeito moderno e a noção de autoria se vêm transformadas e surgem novas concepções sobre os processos de subjetivação, criação colaborativa e autoria compartilhada.

Os acessos e recorridos intuitivos e autônomos aos conteúdos permitem a auto-organização de estratégias de jogo e que sejam postas em cena diferentes identidades. Nos recorridos lúdicos das comunidades, as crianças enfrentam um desafio e tomam decisões que têm efeitos sobre o que acontece na tela, permitindo reflexões sobre as decisões e reconsiderações para desenvolver novas estratégias.

A interatividade, ao contrário da proposta dos meios tradicionais, incita o usuário ao movimento, à resposta. Mas esta interatividade pode estar condicionada pelas opções predeterminadas do software ou estar em condições de habilitar a geração de uma resposta nova e diversa a respeito da intenção da produção. Em qualquer um dos dois casos, é possível a produção de sentido em tempo real.

A maioria das propostas de comunidades multiplayer para crianças estão marcadas pela lógica de mercado. A interatividade organizada pelo consumo produz movimento e ação dentro do mundo da marca, onde muitas vezes a participação está condicionada pela compra do produto, seja com moedas virtuais ou cartão de crédito.

Esses novos meios também disputam a luta por sentido comum na infância, pois interpelam as crianças como consumidoras ou como cidadãs. Relatos e representações do público, do privado e de suas combinações atuais com o íntimo, o comum e os outros são temas que nos incitam a pensar novos horizontes da interpelação.

Como se trata de um espaço que convoca e que tem força de visibilidade, o público e o privado e a construção identitária e sua relação com os outros se reconfiguram também neste momento histórico. A luta pelo reconhecimento se dá também nos espaços virtuais. Os meninos e meninas se fazem visíveis nos espaços digitais, se apropriam das suas práticas sociais e lhes conferem sentido dentro e fora da rede.

Latin Lab

LATINLAB é um laboratório de investigação, criação e reflexão em torno da televisão infantil e das multiplataformas na América Latina.

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