Infância, cidadania e política. O que eles e elas sabem.

O que as crianças sabem de política? Sabem o que são as eleições, quem é a presidenta de seu país ou o que se vota? Conhecem as funções de um presidente? Onde e com quem elas falam sobre esses temas?

A Argentina vive um clima político particular. No marco de um processo de eleições reais nacionais, as campanhas na mídia, as conversas familiares, as discussões nos programas de televisão e os cartazes nas ruas, põem em cena permanentemente questões vinculadas à vida política e ao exercício da cidadania em uma sociedade democrática.
Nesse marco, quisemos explorar as percepções, os saberes e conhecimentos que as crianças têm em torno à política, às eleições e à cidadania. Para isso, o Latinlab entrevistou meninos e meninas de 7 a 11 anos das cidades de Buenos Aires, da grande Buenos Aires e de Rosario, sobre seus próprios conhecimentos e saberes.
A totalidade das crianças pesquisadas sabe quem é a presidenta de seu país e conhece seu nome, em muitos casos completo. Além disso, uma porcentagem deles pôde emitir alguma opinião ou comentário acerca da presidenta.

A presidenta é a Cristina. Tenho pena que ela tenha que sair, porque ela é a minha favorita” (menino, 7 anos, CABA)
90% das crianças entrevistadas manifestou conhecer as funções de um presidente. Na maior parte dos casos, as resposta giraram em torno a ideias como “governar”, “conduzir”, “organizar”, “dar ordens”, “arrumar coisas”.
Dirige todo o país. Tem muito trabalho, escreve muito, exageradamente. E arruma algumas coisas para que a Argentina, o país, esteja melhor.” (menino, 8 anos, província de Buenos Aires)
Para Isabelino Siede, doutor em ciências da Educação, docente e autor de numerosos trabalhos sobre cidadania e política, essa caracterização do presidente é bastante comum. “Houve vários estudos nas décadas de 80 e 90 nos quais trabalhou-se sobre a construção dessas ideias das crianças, um estudo particularmente relevante é o de Antonio Castorina e Alicia Lenzi. Depois de realizar numerosas entrevistas clínicas, eles viram que todas as crianças identificam o presidente, mas não necessariamente como um papel institucional, mas como alguém bom, que se ocupa deles por um mandato moral. Costumam desconhecer, por outro lado, os fundamentos e as limitações das suas funções. O problema é que, em muitas práticas de ensino, como também em boa parte dos discursos sociais sobre o poder, esse caráter pessoal, moral e ilimitado é enfatizado, tanto como se desmerecem ou se apresentam de modo muito deformado os traços republicanos, a divisão dos poderes e níveis do Estado Federal”.
As entrevistas com as crianças dão conta desse processo de construção de ideias sobre política e democracia. Por exemplo, apenas 15% das crianças utilizou ideias como “representação”, “aprovar leis”, “executar”, “cumprir a constituição” nas respostas dadas sobre o trabalho do presidente.
Aprova as leis, dirige o país, executa” (menina, 10 anos, CABA)
Do mesmo modo, ao perguntar às crianças sobre o significado das eleições, 80% deu respostas associadas diretamente ao voto e à ideia de eleger algo ou alguém. “As eleições são quando temos que votar”, “quando você escolhe alguém ou algo que você gosta mais”, “é eleger um presidente ou um chefe de governo”.
Para a maioria deles, votar é o próprio ato, em si mesmo, o processo da votação:
É fazer um ‘Xis’ em um papel e colocá-lo em um caixa” (menina, 7 anos, Rosario)
Apenas no caso das crianças mais velhas do que a faixa etária pesquisada (10 a 11 anos) a ideia de “representação” foi incluída, ainda que eles não puderam explicá-la.
Votar é eleger as pessoas que queremos que nos representem” (menino, 10 anos, CABA)
É escolher, entre todos os candidatos, os que mais te representam” (menino, 10 anos, CABA)
Votar é escolher alguém para te governar” (menina, 11 anos, CABA)
A que podemos atribuir esse distanciamento entre a ideia de voto e o conceito de representação? Como explica Siede, “desde a década de 80, durante a transição democrática, a escola e o discurso social enfatizaram aspectos instrumentais da democracia, como o voto e a periodicidade dos cargos, mais do que aspectos substantivos como a construção de projetos coletivos, a busca de soluções a problemas sociais, a participação deliberativa, etc. Nos últimos anos, o discurso social registrou importantes variantes, mas é possível que na escola perdurem práticas herdadas daquela época.
Desse modo, nos anos de eleições, muito professores propõem aos seus alunos fazer documentos e votar em um quarto escuro, como modo de entender a dinâmica do voto, ainda que, às vezes, o que é escolhido é inócuo. Isso poderia explicar as respostas das crianças, acostumadas a associar democracia a voto”.
Com relação aos candidatos a presidente para as próximas eleições, 85% das crianças entrevistadas pôde mencionar ao menos os três deles com maior intenção de voto nas pesquisas: Scioli, Macri e Massa. Além disso, muitas crianças incluíram outros candidatos como Stolbizer, Altamira, Carrió, Sanz, Rodriguez Saa e Castanheira.
Se, por um lado, é possível supor que o conhecimento de candidatos responde aos altos níveis de repetição das campanhas nos meios de comunicação das últimas semanas. Em geral, as crianças que deram mais nomes de candidatos foram também as que comentaram que falam das eleições em suas casas e com suas famílias.
A grande maioria das crianças entrevistadas comentou que, em suas casas, se fala desses temas, seja com eles ou entre os adultos da casa.
Sim, na minha casa falam muito” (menino, 10 anos, CABA)
Minha mãe fala o tempo todo disso” (menino, 11 anos, GBA)
Sim, falam muito, mamãe e papai” (menina, 10 anos, Rosario)
Na casa dos meus avós, mamãe fala das eleições. Papai também. Perguntam em quem vamos votar e outras coisas. Não entendo nada” (menina, 9 anos, CABA)
Porém, a maior parte das crianças afirmou não falar desses temas na escola.
Alguns disseram que apenas falam quando se aproximam as eleições, quando há votações ou mesmo quando votam em algo dentro da escola. Mas apesar de dizer que não falam desses temas na escola, vários mencionaram que se tratam de temas de “presidentes e legisladores e duração de mandatos” nos relacionamentos sociais.

De eleições, não, mas no dia 24 de março nós vemos Zamba e falamos de outras coisas”. (Menino, 10 anos, província de Bs. As.)
No ano passado, falamos dos mandatos presidenciais” (menino, 10 anos, CABA)
Muito não. Eu me interessei e segui toda a prévia das eleições a chefe de governo pela televisão” (menino, 11 anos, CABA)

Não, quando um companheiro me disse ‘votemos’, a senhora disse: ‘não, essas coisas são de gente grande, não são importantes para vocês’” (Joaquim, 9 anos, CABA)

Diante dessas perguntas em torno ao que se “fala desses temas na escola”, surge a pergunta acerca de quais são os modos com que na escola podemos abordar a construção cidadã e democrática vinculada ao fato concreto das eleições. “Nesse sentido”, opina Siede, “a ênfase nos aspectos instrumentais pode desmerecer a construção de noções sobre a democracia como construção coletiva e como ferramenta de participação política, favorecendo, em troca, uma educação política funcional para as democracias delegativas, nas quais o votante elege as pessoas que decidiram por ele, no lugar de escolher alguém que represente as suas ideias, interesses e a quem deve pedir prestação de contas de seus atos. Parece-me que é mais interessante oferecer espaço de discussão argumental sobre os problemas sociais, que incluam o estudo de seus traços e causas, a consulta a setores envolvidos, desenho de soluções possíveis. Esse trabalho, que pode ser realizado ao menos desde o segundo ciclo do nível primário, apela para que as crianças se ponham no lugar de quem avalia, confronta ideias e se posiciona, independentemente de que a expressão dessas ideias possa ser feita por mecanismos de representação. Por outro lado, esse tipo de exercício fortalece as práticas de democracia direta, nas que poderão participar logo, como as assembleias estudantis dos grêmios”.
Está claro que os meninos e as meninas vão construindo suas próprias ideias sobre política e vida democrática desde que são crianças. Talvez, então, os contextos eleitorais se convertam em momentos importantes para escutar o que eles têm para dizer e ajudá-los a construir sobre essas ideias, novos conceitos e novos conhecimentos que os fortaleçam como cidadãos.
Imagem: micro Zamba pergunta: O que é votar? Gratos Pakapaka!

Latin Lab

LATINLAB é um laboratório de investigação, criação e reflexão em torno da televisão infantil e das multiplataformas na América Latina.

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